quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A arte profissional: o início de tudo Se um memorial é lugar de reinvenção e se algum dia pretendo escrever sobre minha trajetória profissional, terei de começar citando meu primeiro grande educador: meu pai. Dentre as diferentes formas de união entre discurso e vida existem oito artes, como as explicitadas por Passegi¹, então, para enquadrar meu texto na arte profissional faz-se imprescindível referir-me à figura paterna que inicialmente me guiou pelas veredas do conhecimento escolar. Tive uma educação muito rígida. Minha mãe sempre foi dona de casa e não tinha tempo para dedicar-se aos livros e aos deveres de casa que eu e meus irmãos trazíamos da escola. Meu pai, militar, em seus dias de folga e em algumas noites da semana, cuidava de aprimorar os conhecimentos escolares de seus filhos. Durante meus primeiros anos como professora, certamente desenvolvi o mimetismo em relação a ele. Era igualmente rígida, esperava a perfeição de meus alunos, mas o tempo foi me moldando. Havia uma noite da semana em que papai lia a redação cujo tema ele dava antes de sair para o quartel. Em outra noite, arguição da tabuada também de número previamente citado. Uma terceira noite era dedicada à leitura em voz alta. Papai corrigia a entonação, a postura, o olhar. O texto era escolhido aleatoriamente, no jornal trazido da rua. Papai observava meu interesse pela língua inglesa e me ensinou as primeiras palavras no livro em que ele mesmo também havia aprendido alguma coisa em seus tempos de colegial. Lembro-me de que era um livro de capa dura, páginas amareladas bem ilustrado. Uns desenhos de estilo que me lembram Norman Rockwell, só que em preto e branco. Não estou aqui me posicionando como um “personagem ilustre” ou “notável”, posto que não sou a perfeição na escrita, nos cálculos e nem falo inglês fluentemente. Entretanto, não poderia negar a influência do meu pai na minha formação escolar, bem como primeiro incentivador para que eu seguisse o magistério. Neste meu início de trajetória, nada que considere efetivamente “notável” o suficiente para um memorial, mas afetivamente queria registrar minha gratidão aos anos dedicados de meu pai a mim. Minha autobiografia jamais poderia evitar citá-lo, pois faz parte da historicidade de minhas aprendizagens. Reportei-me a um passado bastante remoto, de cunho familiar, para, a partir dele, voltar-me para o presente e questionar o futuro, considerando a possibilidade de a memória permitir uma reflexão à frente, uma vez que todos somos indivíduos críticos e históricos. ________________________ ¹PASSEGI, M.C. Memoriais auto-bio-gráficos: a arte profissional de tecer uma figura pública de si. In: Maria da Conceição Passegi; Tatyana Mabel Nobre Barbosa. (Org.). Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. 1 ed. São Paulo; Natal: Paulus; EDUFRN, 2008, v.5.

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